sábado, 3 de março de 2012

OS PRIMÓRDIOS DO RÁDIO NO BRASIL E O SURGIMENTO DA DUPLA SULINO E MARRUEIRO.

        A inauguração oficial do rádio no Brasil ocorreu em 7 de setembro de 1922. No ano em que se comemorou o I Centenário da Independência do Brasil (1922), ocorreu no Rio de Janeiro, uma grande feira internacional, a Exposição do Centenário da Independência, na Esplanada do Castelo, que recebeu visitas de empresários americanos trazendo a tecnologia de radiodifusão para demonstrar na feira, que nesta época era o assunto principal nos Estados Unidos.


       Para testar o novo meio de comunicação, os americanos da Westinghouse Electric instalaram uma estação de 500 W e uma antena no pico do morro do Corcovado (onde atualmente é o Cristo Redentor). O público ouviu o pronunciamento do Presidente da República, Epitácio Pessoa e a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, transmitida diretamente do Teatro Municipal, isso tudo além de conferências e diversas atrações. Muitas pessoas ficaram impressionadas, pensando que se tratava de algo sobrenatural. A primeira transmissão radiofônica do discurso do presidente Epitácio Pessoa, foi captada em Niterói, Petrópolis, na serra fluminense e em São Paulo, onde foram instalados aparelhos receptores. A reação visionária de Roquette-Pinto a essa tecnologia foi: "Eis uma máquina importante para educar nosso povo". No mesmo ano, nos Estados Unidos, surgiu a primeira emissora comercial, a WEAF, de Nova Iorque, criada pela companhia telefônica American Telephone and Telegraph (atual AT&T). Depois da primeira transmissão no Brasil em 1922, Roquette Pinto tentou sem sucesso convencer o Governo Federal a comprar os equipamentos apresentados na Feira Internacional. Roquette Pinto (1884/1954) foi um médico legista, professor, antropólogo, etnólogo e ensaísta brasileiro. Para o bem da comunicação do Brasil, Roquette-Pinto não desistiu, e conseguiu convencer a Academia Brasileira de Ciências a comprar os equipamentos. Foi então criada a primeira rádio do país, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - atual Rádio MEC, fundada em 1922, e dirigida por Roquette-Pinto, com um possante transmissor Marconi com dois mil wats de potência - o melhor da América do Sul - e a criação de uma escola de radiotelegrafia. Menos de um ano mais tarde, em 20 de Abril de 1923, foi inaugurada a primeira rádio brasileira, a "Rádio Sociedade do Rio de Janeiro", fundada por Roquete Pinto e Henry Morize. Henri Charles Morize ou Henrique Morize (1860/1930) foi um engenheiro industrial, geógrafo e engenheiro civil francês, naturalizado brasileiro; Morize foi também o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências. Voltada para a elite do país, a programação da rádio incluía ópera, recitais de poesia, concertos e palestras culturais e tinha uma finalidade cultural e educativa. Como os anúncios pagos eram proibidos, a rádio era mantida por doações de ouvintes.


       Roquete Pinto definiu bem como foi à primeira transmissão de rádio no Brasil: ―Tudo roufenho, distorcido, arrombando os ouvidos, era uma curiosidade sem maiores conseqüências. Essas frases fazem parte do discurso dele sobre a primeira transmissão radiofônica no Brasil, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, 1922.

      Em 1926, foi inaugurada a Rádio Mairynk Veiga, seguida da Rádio Educadora, além de outras da Bahia, Pará e Pernambuco. A tecnologia era ainda muito incipiente, pois os ouvintes utilizavam-se dos rádios de galena montados em casa, quase sempre por eles mesmos, usando normalmente caixas de charutos. Isso se tornava possível pelo fato dos aparelhos serem compostos por apenas cinco peças, segundo ensinava José Ramos Tinhorão em seu livro editado em 1990. Como visto, no Brasil, as primeiras transmissões AM surgiram com a emissora de Roquette-Pinto, que em 1923 fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que em 1936 iria transformar-se em Rádio Ministério da Educação, que propagaria o ensino à distância.
        As freqüências AM foram fundamentais na vida do brasileiro em meados do século XX. As rádios de longo alcance, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a Super Rádio Tupi e a Rádio Record, que atingiam quase 100% do território nacional ajudaram a propagar os times cariocas e paulistas de futebol por todo o Brasil. O crescimento do rádio na sua primeira década de existência no Brasil se deu de forma lenta, pois como dissemos a legislação brasileira não permitia a veiculação de textos comerciais o que dificultava a sobrevivência financeira das Rádio-Sociedades, ou seja, sobreviviam de doações de amigos e sócios. Bem verdade que tal fato não impedia que as emissoras mesmo não produzindo intervalos comerciais, tivessem seus programas patrocinados por anunciantes específicos cujos produtos eram recomendados ao público ao longo do programa. Nos primeiros anos o alcance do rádio era pequeno em termos de público, pois o preço dos aparelhos receptores era alto, tornando-os inacessíveis a grande parte da população. Nas modalidades rádio-sociedade e rádio-clube2, que, depois da criação da primeira estação de rádio, surgiram em todo o Brasil, o princípio era o mesmo: um grupo de pessoas pagava uma mensalidade para a manutenção do equipamento e o salário dos funcionários, e alguns ainda cediam discos para serem ouvidos por todos. Foi essa característica, adotada por Roquette-Pinto, que tornou possível, num primeiro momento, uma incipiente radiodifusão, que só se tornou um meio de comunicação de massa na década de 1930, com a introdução do rádio comercial e a redução do preço dos receptores. A percepção da potencialidade do rádio não era, como se extrai das palavras de Albert Einstein, privilégio apenas das pessoas que lidavam com o novo meio: em 1925, em visita ao Brasil, ele recomendava ―cuidado na utilização do rádio, pois, se mal usado, as conseqüências poderão ser lamentáveis.
           A partir de 1927, começa a era eletrônica do rádio. O som dos discos não precisa mais ser captado pelo microfone, pois o toca-disco tinha sido conectado a uma mesa de controle de áudio e podia ter seu volume controlado eletronicamente. Com estúdios mais ágeis, as produções dos programas radiofônicos ficam mais aprimoradas.
         Com a conformação do rádio espetáculo no início dos anos 1930 a partir do trabalho de César Ladeira, primeiro na Record, de São Paulo, e depois na Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, criam-se as possibilidades concretas para que o veículo atenda às necessidades de divulgação de produtos e serviços de terceiros. A ele, Ortriwano (1985, p. 17) atribui a criação do elenco exclusivo e remunerado, base da profissionalização do meio que irá permitir o surgimento dos programas de auditório, humorísticos e novelas, principais conteúdos para o mercado anunciante da época. Os indícios existentes levam a crer, (Tota 1990, p.71), que a compra da Record, em 1931, por um grupo integrado por Paulo Machado de Carvalho, permite à estação ―estruturar-se como uma moderna empresa de comunicação, acompanhando o processo geral de transformações que caracterizou o Brasil dos primeiros anos da década de 1930.

O SURGIMENTO DA DUPLA SULINO E MARRUEIRO
Nos anos 1940 e 1950, o rádio era o meio de comunicação de massa mais importante do Brasil e a maior parte da música veiculada era tocada ao vivo pelos conjuntos regionais, bandas, cantores, cantoras e orquestras. E os programas denominados sertanejos, nas rádios do sul e sudeste do País, projetavam a música caipira. Em um desses programas, “Serra da Mantiqueira”, de Sílvio Frota, na Rádio Bandeirante, em São Paulo, surgiria a dupla Sulino (Francisco Gottardi, 1924-2005) e Marrueiro (João Rosante, 1916-1978), tradicionais cultivadores da moda de viola. Antes, em 1942, Francisco adotara o nome artístico de Limeira, para formar a dupla Limeira e Limeirinha (Amélio Posso).
    A dupla acabou em 1945, quando, também, João Rosante deixa o Trio Saudade (havia ainda Nenete e Nininho) e despreza o apelido Ninão. Passa a ser Marrueiro, enquanto Francisco substitui Limeira por Sulino. Juntos, formam o Trio Campeiro, com participação do sanfoneiro Castelinho, que tocou no grupo até 1949; ao sair, deixou formada a dupla Sulino e Marrueiro - que se firmou como intérprete de modas de viola. Impossível separar esta dupla da moda de viola; são dezenas de canções clássicas compostas por Sulino ou divididas com outros letristas e que os dois interpretaram ao longo da carreira. O LP “Sua Majestade a Moda de Viola” é um dos exemplos.
     A letra da moda de viola conta fatos históricos ou relacionados à vida das pessoas onde é composta, dando vida aos episódios na voz do violeiro. E Sulino e Marrueiro fazem isso em suas modas, a exemplo dos clássicos “A boiada do Araguaia”, “Herói sem medalha”, “João boiadeiro” (Sulino e Sebastião Víctor ), “Laço de couro” (Zé Paioça), “Nelore valente” (Antônio Carlos da Silva), “O erro da professora” (Teddy Vieira), “O milagre do retrato” (Paulo Calandro), “O peão e o ricaço” (Moacyr dos Santos), “Cachorro Corumbá” e outros
   Não se deve confundir a moda de viola “João boiadeiro” gravada por Sulino e Marrueiro, em 1964, com o rasqueado de Moreninho, que fala de João boiadeiro, primeiro brasileiro a receber um coração transplantado, em 1968. Muito menos com uma outra moda de viola, gravada por Tonico e Tinoco em 1961, e com o mesmo título e de autoria de Pedro Capeche e Chiquinho.  A moda de viola, diz o  Dicionário Cravo Albin da MPB, é uma narração em ritmo recitativo, onde o cantador conta uma história. A melodia é solta, como se fosse uma poesia falada com acompanhamento musical. Normalmente são cantadas em duas vozes, com intervalo musical de terça  acompanhamento de viola. A métrica geralmente é de sete sílabas (redondilha maior), às vezes aparece de cinco sílabas (redondilha menor).

Cultivadores deste ritmo, Sulino e Marrueiro gravaram o primeiro disco na Copacabana, em 1949, com o cururu “Morena de olhos pretos”, de Sulino e Teddy Vieira, e a moda de viola “Cachorro Corumbá”, de Teddy Vieira e Ado Benatti. Com o sucesso, em1952 estrearam no programa “Brasil Caboclo”, da Rádio Bandeirante, apresentado pelo Capitão Barduíno. De 1954 a 1957 gravaram na Victor sucesso como “Abismo cruel” (Sulino e Zé Fortuna), “Mandamentos do chofer” (Sulino e Ado Benatti) e “Florisbela” (Sulino e Zé do Rancho).
Em 1958 lançou com sucesso o primeiro disco sertanejo da Chantecler, “A volta do boiadeiro” (Sulino e Teddy Vieira) e “Juramento quebrado” (Sulino e Carreirinho), em 78 RPM. Lançou ainda pela mesma gravadora “Peão da cidade” e “O peão e o ricaço” (ambas de Sulino e Moacir dos Santos). Permaneceram na Chantecler de 1958 a 1968. Em 1969, pela Cartaz, a dupla lançou o LP “Laço de couro”, título de uma das faixas da gravação.
Em 1970 lançaram pela Califórnia, entre outras composições, “Aniversário da mamãe” (Sulino e Nelson Gomes), “Tenho fome e tenho sede” (Sulino), “Caboclo do pé quente” e “Empreitada perigosa” (ambas de Sulino e Moacir dos Santos). Do LP da Beverly, de 1971, destacam-se “Duas rosas” (Sulino e Moacirdos Santos), “Meu querido sertão”, “O jogador de baralho” e “Viola amiga” (todas com Quintino Eliseu). Gravaram outros LPs pela Tropicana (1973), Japoti  (1975) e Continental (1994).
Além de cantor e compositor, Sulino escreveu peças teatrais, apresentadas ainda hoje em circos de todo o Brasil, entre elas a “Volta do boiadeiro”, “Quatro caminhos”, “Quatro pistoleiros a caminho do inferno”, “Vingança se escreve com sangue” e “Cada bala uma sepultura”. Depois da morte de Marrueiro, em 1978, o parceiro Sulino formou nova dupla com Amarito (Roberto Amâncio) e gravaram entre 1978 e 1982. Sulino morreu em 2005.
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